21.10.05

Bragança



 Marius volta a esporear o cavalo, a seu lado, o cachorro encontrado abandonado num caminho deste Portugal. São as suas únicas companhias. Vai continuar sozinho pois mais uma mão deixou de acenar, mão que vinha acenando há muitas caminhadas deixou-se ficar. A única coisa que faz bem ao ego de marius é saber que aqui e ali, outras mãos não deixarão de contribuir para que a caminhada seja mais leve mas, se assim não acontecer, não haverá desânimos, a jornada sendo longa chegará ao fim junto à velha mulemba que me espera do outro lado do Atlântico, hei-de lá chegar. É a vida.


Se Coimbra tem a cabra
Bragança tem a cabrita
E em começando as aulas
Se a mãe berra… a filha grita.



Bragança


 Estou em Bragança. Encravada nas montanhas do Nordeste Transmontano, Bragança nasceu nos confins do tempo. A cidade antiga ficaria, no local onde hoje está a Sé. Era uma povoação neolítica e serviu de base a uma cidade romana. Com as invasões bárbaras e lutas cristãs-islamitas desapareceu. Foi reconstruída por Fernão Mendes, cunhado do nosso primeiro rei. Em 1187 recebe o foral de D. Sancho I pela sua importância militar pois situava-se na linha fronteiriça com a Galiza. D. Afonso V eleva-a à condição de cidade em 1466.

 A cidade veio a conhecer um relativo desenvolvimento com os Judeus que nela encontraram acolhimento e «asilo quase seguro». A inquisição foi muito activa em Bragança, ao todo 734 vítimas. Os teares fecharam e a região passou por um período de decadência.

 Nos séculos XV e XIX tornou-se importante centro da cultura do sirgo e da indústria de seda e à qualidade do produto dizia-se: "A doçura das carícias femininas compara-se ao toque dos veludos de Bragança".
São uns exagerados, nada se compara à carícia feminina, é única.

 Um monumento capta a atenção de marius, a Domus Municipalis, edifício único da arquitectura civil românica medieval da Península Ibérica e que se pensa ter sido edificada como casa de água, fazendo a cachorraria interior e exterior converter para a cisterna e sua nascente as águas fluviais. Mais tarde serviu para lugar de reunião dos «homens bons» do concelho.

Domus Municipalis


Bragança - Pelourinho 






Um pelourinho ergue-se sobre uma curiosa base, a «porca da vila». Marius sempre ouviu falar na porca da vida mas nunca da porca da vila. É ir a Bragança e tirar isto a limpo.









 O castelo de Bragança é um dos mais bem conservados do país. As portas e a ponte levadiça já não fazem parte do actual castelo mas, nas suas ameias, os defensores davam as boas-vindas, àqueles que lá iam com bélicas intenções, com grandes caldeirões de líquidos ferventes, ora toma que é para aprenderem que, com o bragançanos, só lá vão quem convidados são. Hoje dessas ameias pode-se desfrutar uma admirável paisagem do melhor miradouro da cidade.

 No lado setentrional encontra-se a Torre da Princesa. Segundo a lenda, uma bela princesa, apaixonada por jovem guerreiro e recusando os pretendentes fidalgos que lhe oferecia seu tio, persistiu esperar pelo noivo, que partido para as lides da guerra, já muito tardava. O tio, servindo-se de um estratagema tentou provar que o noivo já tinha partido deste mundo e, assim, entrou no quarto da princesa altas horas da noite, fingindo-se fantasma, para a aconselhar a escolher marido. Certo que embora fosse de noite outra porta do quarto se abriu e um raio de sol o iluminou, vendo-se assim descoberta a sua traição. Certo é, que esta lenda, deu origem aos nomes da Porta do Sol e da Porta da Traição. E o que sucedeu à nossa Princesa? Reza as crónicas que um dia o jovem guerreiro, numa noite de tempestade, a raptou, fornecendo-lhe uma espécie de guarda-chuva com o qual ela se lhe lançou nos braços.
Mary Poppins deve ter tirado daqui a ideia de voar com o guarda-chuva aberto.

 A românica Igreja de Santa Maria, a Igreja de S. Vicente com um painel de azulejos alusivo à proclamação, em 1808, do general Sepúlveda contra a ocupação napoleónica e, segundo a tradição, foi aqui que se realizou o casamento de D. Pedro e D. Inês de Castro, a Igreja de S. Bento, padroeiro da cidade, com uma pintura no tecto atribuída ao pintor religioso Bustamante, fazem de Bragança um ponto obrigatório de visita nas deambulações de marius pelo nordeste transmontano….

 … E, à lareira, nas noites frias de Inverno, com as castanhas assadas, vamos jogar à arrebiana. Mão fechada cheia de bilhós, bem repimpada no escano:

 - Arrebiana, sobressaltada!
 - Sobre quantos?
 - Sobre cinco!


 Mão aberta e não existindo cinco mas dois – teremos que pagar três.

 … Vamos nós a isso?... Sobre quantos?...

7.10.05

Pelo Alto Tâmega



  Eis que marius, de repente, avista algo que há muito não via – a casquinha de noz. De novo volta a estar presente no alforge desta viagem.

  O cavalo galopa agora por madressilvas-das-boticas pequenos arbustos a caminho de Curalha, povoado fortificado romano e alti-medieval, onde um castro faz as delícias dos investigadores.



  Aqui, em Curalha, o cineasta Manuel de Oliveira realizou o filme «O Auto da Primavera».

  Mas continuemos pois a viagem é longa e, outros que nos digam o que mais há para ver nestes recantos de Portugal.

Quem vos vem cantar os Reis
De noite pelo escuro,
Decerto quer saber
Se o vinho é maduro.


  Quem assim o diz são as gentes de Vidago pelas Janeiras. E se o vinho maduro é bom, também admirável é o panorama que se desfruta da torre-miradouro. Os romanos fizeram de Vidago uma estância termal, que ali iam fazer as suas curas e tanto bebiam como lavavam os seus corpos nas santas águas, para curar os seus males. Quem nunca ouviu das famosas águas desta região? Espero que devido a falta de pluviosidade não tenha secado o caudal.



«O viajante tomou-se de amores por um nome, pelo nome de uma povoação que está no caminho de Murça, e que é Carrazedo de Montenegro. (...)»
José Saramago

  Como estamos no Outono nada melhor que ir até Carrazedo de Montenegro, as suas origens remotam a um castro romanizado - Castro de Ribas - e de um Castelo medieval denominado - Castelo de Montenegro, o maior exportador de castanhas, sendo a sua feira anual da castanha - CASTMONTE - em Novembro.



  Ex-libris da vila, a Igreja Matriz, do século XVIII, tem uma magnífica frontaria e um belo adro. Se juntar-mos a isto o pelourinho transformado em cruzeiro e a gastronomia da região de certo que não se dará por mal empregue a viagem até esta zona do Alto Tâmega.

  Valpaços encontra-se na fronteira entre a Terra Fria e a Terra quente do Nordeste transmontano e é um grande produtor de azeite e batata. A sua Matriz de abóbada de granito e coro abalaustrado é uma referência assim como os famosos vinhos, o folar e o seu bacalhau à Bruxa de Valpaços.

  Mas vamos subindo a caminho de Bragança e ao encontro de uma história acontecida em Monforte de Rio Livre. Diz-se que quando D. Francisco, irmão do rei D. João V, se deslocou a esta localidade os vereadores tiveram a iniciativa de mandar que as mais bonitas raparigas do lugar lhe oferecessem em açafates ornados de flores a única fruta que dispunham, figos (houve outras sugestões como pinhas, outro fruto da região). Pelos vistos o infante não gostou da mesquinha oferta e mandou que o vereador que teve tal ideia fosse amarrado a um poste, servindo de gáudio aos lacaios do seu séquito que, fazendo do vereador alvo, lhe mandavam projécteis de figos. Certo é que no fim o humilde vereador com a cara lambuzada pelos figos ainda dizia com ar de sorte: - Ainda bem que não lhe oferecemos pinhas!»

  Aqui marius sorri, não há povo como o nosso, quando a desgraça acontece foi sempre uma sorte, podia ser bem pior.