25.11.05

Em terras do Mirandum



Mirandum se fui a la Guerra
Num sei quando benerá

Se nenerá por la Páscoa
Se por la Trênidade



 Marius chega a terras do Mirandum. Terras votadas ao esquecimento, junto à fronteira do reino de Leão, fizeram com que ainda hoje persistisse o dialecto leonês em terras portuguesas. Actualmente, em plena recuperação, o mirandês vai ocupando o seu lugar junto às suas gentes pois a história de um povo faz-se com aquilo que a estória lhe deu para o bem e para o mal e que faz parte da sua própria identidade.

 Miranda do Douro foi uma cidade importantíssima no tempo dos romanos, que lhe deram o nome de Conticum, depois de Paramica, e por fim de Seponcia. Conquistada pelos Árabes em 716, estes deram-lhe o nome de Mir-Andul donde deriva Miranda. D. Afonso Henriques, por questões estratégicas, deu-lhe carta de foro mas Miranda foi por diversas vezes duramente assaltada pelos leoneses. Como em todos os tempos não faltaram os traidores e, assim, depois de no tempo de D. João IV se ter construído um baluarte sobre o Rio Fresno para melhor defesa eis que em 1710 o seu sargento-mor, de seu nome Pimentel, manda abrir ao inimigo a Porta Falsa recebendo 600 dobrões do marquês de Bay. Judas não faria melhor. Não sei que fim teve este sargento pois um ano depois foi Miranda reconquistada mas por certo o pelourinho da cidade deve ter tido serventia.

 Pelos vistos as traições continuaram e durante a Guerra dos Sete Anos, no dia 8 de Maio de 1762 foi esta cidade vítima de uma horrorosa catástrofe, uma explosão de 1.500 arrobas de pólvora que derrubou o castelo e muitas casas, ficando sepultadas nas ruínas perto de 400 pessoas.

 Ignora-se se a explosão foi acidental ou de propósito, mas é tradição em Miranda que o governador do castelo, comprado pelos Espanhóis, lançara fogo ao paiol da pólvora, e que depois da explosão fora visto fora das muralhas, em direcção do campo inimigo.

 Outro duro golpe teve Miranda quando em 1780 a sede da diocese é transferida para Bragança. Sabendo nós como é o nosso povo em questões religiosas logo na época resultaram grandes desavenças e assim os mirandeses diziam que:

 - A sede da sacristia está em Bragança, mas a Sé está em Miranda.

 Do lado bragançano vinha a réplica:

 - Se fores a Miranda vê a Sé e desanda!

 Então vamos ver a Sé e ficar mais uns tempos por terras de Miranda.




 Como em todas as latitudes os milagres não faltam e, assim, em meados do século XVII, depois de mais uma tomada de Miranda pelos espanhóis, os moradores começaram a sentir cansaço e fome. Eis que, de repente, saído do nada, aparece um menino de espada em punho atiçando os portugueses contra o domínio espanhol. Ou fosse pelo menino ou pela fome, certo é que os espanhóis desandararam dali e quando o povo tentou homenagear o menino este tinha desaparecido. Daí a pensarem que tinha sido o Menino Jesus que lhes tinha aparecido foi um pulo e assim esculpiram uma imagem de criança colocando uma farda de general do tempo das Guerras da Restauração, cartola e uma condecoração ao peito. Ainda hoje a imagem do Menino Jesus de Cartolinha permanece na Sé. Deve ter saído daí a ideia das condecorações de 10 de Junho a peitos "valentes" que tantos feitos fizeram pela Pátria.

 Além da língua mirandesa, também na música e na dança se afirma a identidade de Miranda do Douro. Na área geográfica do concelho, os pauliteiros fazem perdurar uma tradição antiga, que toca o viajante pela espectacularidade e pelo colorido do som e do movimento. Quem nunca viu os «Pauliteiros de Miranda»? Se nunca viu é de ver pois bater com o pau e não acertar na cabeça de ninguém não está ao alcance de qualquer um e os pauliteiros são exímios nisso. Como os estudiosos não chegam a conclusão nenhuma de como e de onde surgiu esta tradição, uns dizem que a dança mirandesa dos paulitos teria origem na dança pírrica dos Gregos, outros de vestígios de danças populares do sul de França e na dança das espadas dos Suíços na idade média. Os romanos teriam sido os responsáveis pela propagação da dança pírrica a esta região. Ai estes romanos!...

 Ao som do Mirandum pelos Pauliteiros de Malhadas vamos agarrar no pau e tentar fazer como eles.





 Longa vida aos Pauliteiros.

6.11.05

Trás-os-Montes - Aldeias Comunitárias



 O nordeste transmontano estende-se sob o olhar de marius. Os seus planaltos agregam comunidades rurais estruturadas a partir das unidades de povoamento aglomerado. O cultivo hortícola predomina, mas é nos cursos de água que os lameiros abundam (prados naturais) e, seguindo o olhar, os campos de cereais agrupados em dois sectores para permitirem a alternância do centeio com um ano de pousio pois a terra também se cansa.



 Continuando em terras de vida comunitária está a chegar a hora em que uma das manifestações populares se fará sentir., a «Festas dos rapazes».

 Estas Festas ocorrem ainda hoje em algumas aldeias do concelho de Bragança entre o Natal e a Epifania, reportam-nos às antigas festas solsticiais, as Bacanais. É o regresso às festas da Antiguidade Pagã. Será um dos poucos elos de ligação que resta, ao cabo de dois milénios de Cristianismo, ao ritual cíclico das festividades agrárias do Solstício do Inverno, em honra do Sol ou da Primavera e de louvor à Mãe-Natureza. A Festas dos rapazes e dos rituais de passagem: a passagem da adolescência à maturidade; ritos só para rapazes, como nas antigas sociedades secretas masculinas, nas quais os jovens, antes de nelas se iniciarem, deviam submeter-se a determinadas provas, mascarando-se em seguida e executando danças violentas para afastar a presença das mulheres. O uso da máscara veio a ser interdito pelo poder político ou religioso mas, adaptou-se às realidades e o que era pagão agora é religioso fazendo parte das celebrações cristãs da Natividade, dos santos primeiros mártires ou dos Reis Magos. O carácter sagrado que antes as festas pagãs possuíam acabaria por se transformar no profano das celebrações actuais como na Festa de S. Estêvão.

 A Igreja, como Constantino (imperador romano) o fez, tomou em conta as tradições pagãs, como acontece em Podence, e intervém com um tipo de mascarados. São os «caretos», «chocalheiros», «zangarrões» e «mascarões», que nada mais fazem, do que assustar as criancinhas e as mulheres solteiras. O único intuito é angariar esmolas para a igreja local e ao vozeio dos facanitos: «Vem aí o chocalheiro, vem aí o Diabo» os rapazes mascarados servem às mil maravilhas, os desígnios da “Santa Igreja”.

 Marius refreia a montada. Os seus olhos vêm mais um marco da presença milenária dos romanos na Hispânia. Em Gimonde, uma bela e antiga ponte românica sobre o Malasa, canal do rio Igreja, desafia o tempo com os seus arcos redondos e o grande olhal que dava passagem à água para um moinho que existira outrora. As calçadas romanas sentiram o rodado dos carros romanos e o tilintar das lanças das suas legiões.

 Segundo a tradição, por ali passou a Rainha Santa Isabel quando foi ao encontro do Rei D. Dinis. Os de Babe dizem que foi por lá que ela passou mas, por um lado ou pelo outro a Rainha tinha que passar, senão ainda hoje estaria à espera do final da discussão e o jovem rei não teria uma rainha como santa.


 Marius percorre a estrada a caminho da fronteira espanhola. Vai até Babe, a «Varanda da cidade» que conserva ainda restos da denominação romana como esta lápide funerária onde é perceptível EQVITI AL(ae) II.  Babe ficou célebre pelo tratado de Babe, realizado em 26 de Março de 1387, entre D. João I e o Duque de Lencastre onde o nosso rei obrigava o dito Duque a abdicar de quaisquer direitos que pudesse vir a ter sobre a coroa portuguesa devido ao casamento de uma filha deste inglês (D. Filipa de Lencastre) com o Rei.






 Rio de Onor é um mundo à parte no ambiente bragançano. O seu dialecto leonês característico, os seus ascentrais usos e costumes, a sua igreja com curiosa fachada central e coberta de folhas de xisto e a coexistência entre Rio de Onor de Baixo em Portugal e Rio de Onor de Cima em Espanha é o suficiente para nos lembrar que as fronteiras só existem no mapa e não entre povos que se querem bem.