9.1.06

Pelo Rio Tua



 Fim de tarde. O sol deita-se no ocaso. Não voltarei a ver um pôr-do-sol tão lindo como aquele que vi nesta minha caminhada. Recortado contra a serrania, lançava os últimos reflexos e, a sombra da noite, pouco a pouco, ia tomando conta das últimas réstias de luz. Obrigado pôr-do-sol pelo acompanhamento.

 Acendo o lume, do alforge tiro o calor da amizade e adormeço com ele enrolado na minha túnica.

 A manhã acorda soalheira. Preparo o cavalo e com um toque ligeiro parto à desfilada pelas encostas transmontanas.



Belo Chacim, quero-te tanto!
Não há para mim maior encanto.
Tuas belezas são primores de admirar,
Que grande glória em Chacim em ti morar!


 Segundo a lenda habitava em Chacim, no Castelo do Monte Carrascal um tirano rei mouro. Carregava com tributos as populações e as noivas (Tribuno das Donzelas) tinham que passar pelo tálamo real antes de contraírem núpcias. Um belo dia eis que os servidores do Emir lhe disseram que ia casar a mais bela jovem da aldeia (nestes casos é sempre à mais bela que acontece isto), mas pelos vistos o noivo não estava afim de entregá-la aos desejos do tirano. Quando tentam raptar a noiva eis que a revolta se estalou, daí à tareia e pancadaria de meter medo foi um passo. O povo ia perdendo terreno mas ao brado do noivo, que já estava a ver o caso mal parado, - «Aos inimigos da nossa raça irmãos», o povo ganhou novo ânimo e vai o povo à mourama. Entre mortos e feridos alguém tinha que escapar e aí surge uma formosa senhora que com um vaso de bálsamo na mão, os vai sarando. Claro que só podia ser a Mãe de Deus e, assim, após a morte do Emir, os mouros bateram em retirada e todos os anos no dia 9 de Agosto, o povo comemora a vitória com uma festa em honra da Defensora do Lar e Padroeira dos Noivos, a Divina enfermeira Senhora de Balsamão.

 Marius, como ainda está em época festiva, come lá uma rabanada de estalo não fizesse ela parte da gastronomia da região.



 Ouvem-se maças. Dois cavaleiros do passado passam à desfilada. Para onde irão eles? Vão combater os mouros. Eram tão famosos estes dois cavaleiros que com as suas fortes maças de armas desancavam nos mouros que o rei resolveu chamar ao lugar de Macedo de Cavaleiros. E assim nasceu Macedo de Cavaleiros. É gente que tem aquele ditado tão antigo que se perde na bruma do tempo: «Para cá do Marão, mandam os que cá estão». Se assim é, tudo bem!..



«Quem Mirandela mirou, em Mirandela ficou.»

 Se por acaso fosse só pelas suas famosas alheiras não seria bem assim mas Mirandela é, de facto, uma cidade a quem o epíteto acima referido cai que nem uma luva.

 Tendo subido à categoria de cidade em 1984, tem nas lendas a derivação de Mirandela, dos olhares apaixonados que das atalaias do seu poderoso castelo sobre ela lançava o rei mouro de Lamas de Orelhão, nos poentes maravilhosos do Norte.

 Por lá andaram os romanos e foi D. Dinis quem implantou a povoação no cabeço de S. Miguel. Terra fortificada, com a sua Torre de Menagem era considerada como uma das melhores fortalezas de Trás-os Montes.

 Um fragmento do Arco de Santo António, é o que resta do castelo e até mesmo o pelourinho da vila desapareceu. Do Santuário de Nossa Senhora do Amparo vê-se uma paisagem magnífica.

 O Rio Tua oferece paisagens extraordinárias e, em Mirandela, é vê-lo garboso enquadrado pela Ponte Velha, do século XVI, de arcos e talha-mares robustos.



 Marius vai às alheiras, só em Mirandela se comem alheiras assim.


14.12.05

De Miranda a Mirandela



  - Vamos amigos, vamos deixar a linda terra de Miranda, aqui marius bate no pescoço do seu companheiro de muitas jornadas e de escritas noutros lugares onde se fizeram amigos que infelizmente se dispersaram. A seu lado, o Podengo português podengo dá latidos de satisfação, como a dizer que está na hora de voltar a caminhos nunca dantes caminhados.

  - Não amigo, por estes mesmos caminhos outros povos caminharam noutras eras. É um eterno volver, muitos caminhos há, sem termos lá estado presentemente, que nos faz parar e pensar, sem deixar que um arrepio nos percorra, que já ali estivemos há muito, muito tempo atrás e, os nossos passos, percorrem caminhos já por nós dantes percorridos.

  Continuando a história de Mirandum, começado no tema anterior, pode-se ouvir em estrofe final:

Que Mirandum iá ié muôrto
Lou bien lo bi anterrar

Ante quatro ouficiales
Que lo iban a lhebar.


  E assim se canta a história de Mirandum, cognome do cavaleiro Domingos Ferreira, herói da terra de Miranda contra os espanhóis e franceses em 1762.

  Duas igrejas de origem românica podemos desfrutar em Duas Igrejas, a matriz de Santa Eufémia e a igreja da Senhora do Monte.

  O ramal do Vale do Sabor ligava Duas Igrejas a Pocinho que por sua vez ligava, em Pocinho, à Linha do Douro. Hoje desactivada, foi na época uma tentativa para o desenvolvimento desta zona do nordeste transmontano: o transporte do minério de ferro das minas de Reboredo e o fim do isolamento da vasta região situada entre Miranda do Douro e Mogadouro. Mas o minério estava muito longe num país de mentalidades pequenas e, assim, depois de muito dinheiro gasto do erário público deu-se por encerrada a linha.



 Como estamos ainda em terras de Mirandum não podia faltar em Duas Igrejas os Pauliteiros, o Rancho Folclórico de Miranda – Duas Igrejas. Este Rancho já se deu a conhecer por esse mundo fora e, por certo, ainda mais se dará a conhecer não só lá fora como aqui em Portugal, pois muito povo há que nunca deve ter visto uma actuação dos Pauliteiros e o seu linguarejar mirandês.

  Em Solhapa, a 3 km, pode-se apreciar uma gruta com vestígios de arte rupestre.

  Marius passa por Malhadas com um esplêndido cruzeiro e mais uma igreja paroquial românica como não podia deixar de ser, … ai Constantino, Constantino, a tua fama já vem de longe. Vai até ao castro Miramolina com a sua atalaia.

  Em Picote, a igreja de Santo Cristo, a barragem e aqui e ali vestígios da Idade Neolítica reportam-nos para um passado sempre presente.



  Finalmente marius pára em Sendim. Vai apreciar o artesanato de mantas, tapetes, alforges, cestos e apreciar a boa gastronomia regional: os doces tradicionais, o fumeiro, os vinhos, o pão caseiro ou mel, entre outras especialidades típicas, fará por certo com que marius permaneça por esta zona até ao próximo voltar da folha do calendário.



  Até lá e para todos aqueles que fazem deste «Rumo ao Sul» um ponto de encontro no conhecimento dos usos e costumes do povo português:


25.11.05

Em terras do Mirandum



Mirandum se fui a la Guerra
Num sei quando benerá

Se nenerá por la Páscoa
Se por la Trênidade



 Marius chega a terras do Mirandum. Terras votadas ao esquecimento, junto à fronteira do reino de Leão, fizeram com que ainda hoje persistisse o dialecto leonês em terras portuguesas. Actualmente, em plena recuperação, o mirandês vai ocupando o seu lugar junto às suas gentes pois a história de um povo faz-se com aquilo que a estória lhe deu para o bem e para o mal e que faz parte da sua própria identidade.

 Miranda do Douro foi uma cidade importantíssima no tempo dos romanos, que lhe deram o nome de Conticum, depois de Paramica, e por fim de Seponcia. Conquistada pelos Árabes em 716, estes deram-lhe o nome de Mir-Andul donde deriva Miranda. D. Afonso Henriques, por questões estratégicas, deu-lhe carta de foro mas Miranda foi por diversas vezes duramente assaltada pelos leoneses. Como em todos os tempos não faltaram os traidores e, assim, depois de no tempo de D. João IV se ter construído um baluarte sobre o Rio Fresno para melhor defesa eis que em 1710 o seu sargento-mor, de seu nome Pimentel, manda abrir ao inimigo a Porta Falsa recebendo 600 dobrões do marquês de Bay. Judas não faria melhor. Não sei que fim teve este sargento pois um ano depois foi Miranda reconquistada mas por certo o pelourinho da cidade deve ter tido serventia.

 Pelos vistos as traições continuaram e durante a Guerra dos Sete Anos, no dia 8 de Maio de 1762 foi esta cidade vítima de uma horrorosa catástrofe, uma explosão de 1.500 arrobas de pólvora que derrubou o castelo e muitas casas, ficando sepultadas nas ruínas perto de 400 pessoas.

 Ignora-se se a explosão foi acidental ou de propósito, mas é tradição em Miranda que o governador do castelo, comprado pelos Espanhóis, lançara fogo ao paiol da pólvora, e que depois da explosão fora visto fora das muralhas, em direcção do campo inimigo.

 Outro duro golpe teve Miranda quando em 1780 a sede da diocese é transferida para Bragança. Sabendo nós como é o nosso povo em questões religiosas logo na época resultaram grandes desavenças e assim os mirandeses diziam que:

 - A sede da sacristia está em Bragança, mas a Sé está em Miranda.

 Do lado bragançano vinha a réplica:

 - Se fores a Miranda vê a Sé e desanda!

 Então vamos ver a Sé e ficar mais uns tempos por terras de Miranda.




 Como em todas as latitudes os milagres não faltam e, assim, em meados do século XVII, depois de mais uma tomada de Miranda pelos espanhóis, os moradores começaram a sentir cansaço e fome. Eis que, de repente, saído do nada, aparece um menino de espada em punho atiçando os portugueses contra o domínio espanhol. Ou fosse pelo menino ou pela fome, certo é que os espanhóis desandararam dali e quando o povo tentou homenagear o menino este tinha desaparecido. Daí a pensarem que tinha sido o Menino Jesus que lhes tinha aparecido foi um pulo e assim esculpiram uma imagem de criança colocando uma farda de general do tempo das Guerras da Restauração, cartola e uma condecoração ao peito. Ainda hoje a imagem do Menino Jesus de Cartolinha permanece na Sé. Deve ter saído daí a ideia das condecorações de 10 de Junho a peitos "valentes" que tantos feitos fizeram pela Pátria.

 Além da língua mirandesa, também na música e na dança se afirma a identidade de Miranda do Douro. Na área geográfica do concelho, os pauliteiros fazem perdurar uma tradição antiga, que toca o viajante pela espectacularidade e pelo colorido do som e do movimento. Quem nunca viu os «Pauliteiros de Miranda»? Se nunca viu é de ver pois bater com o pau e não acertar na cabeça de ninguém não está ao alcance de qualquer um e os pauliteiros são exímios nisso. Como os estudiosos não chegam a conclusão nenhuma de como e de onde surgiu esta tradição, uns dizem que a dança mirandesa dos paulitos teria origem na dança pírrica dos Gregos, outros de vestígios de danças populares do sul de França e na dança das espadas dos Suíços na idade média. Os romanos teriam sido os responsáveis pela propagação da dança pírrica a esta região. Ai estes romanos!...

 Ao som do Mirandum pelos Pauliteiros de Malhadas vamos agarrar no pau e tentar fazer como eles.





 Longa vida aos Pauliteiros.

6.11.05

Trás-os-Montes - Aldeias Comunitárias



 O nordeste transmontano estende-se sob o olhar de marius. Os seus planaltos agregam comunidades rurais estruturadas a partir das unidades de povoamento aglomerado. O cultivo hortícola predomina, mas é nos cursos de água que os lameiros abundam (prados naturais) e, seguindo o olhar, os campos de cereais agrupados em dois sectores para permitirem a alternância do centeio com um ano de pousio pois a terra também se cansa.



 Continuando em terras de vida comunitária está a chegar a hora em que uma das manifestações populares se fará sentir., a «Festas dos rapazes».

 Estas Festas ocorrem ainda hoje em algumas aldeias do concelho de Bragança entre o Natal e a Epifania, reportam-nos às antigas festas solsticiais, as Bacanais. É o regresso às festas da Antiguidade Pagã. Será um dos poucos elos de ligação que resta, ao cabo de dois milénios de Cristianismo, ao ritual cíclico das festividades agrárias do Solstício do Inverno, em honra do Sol ou da Primavera e de louvor à Mãe-Natureza. A Festas dos rapazes e dos rituais de passagem: a passagem da adolescência à maturidade; ritos só para rapazes, como nas antigas sociedades secretas masculinas, nas quais os jovens, antes de nelas se iniciarem, deviam submeter-se a determinadas provas, mascarando-se em seguida e executando danças violentas para afastar a presença das mulheres. O uso da máscara veio a ser interdito pelo poder político ou religioso mas, adaptou-se às realidades e o que era pagão agora é religioso fazendo parte das celebrações cristãs da Natividade, dos santos primeiros mártires ou dos Reis Magos. O carácter sagrado que antes as festas pagãs possuíam acabaria por se transformar no profano das celebrações actuais como na Festa de S. Estêvão.

 A Igreja, como Constantino (imperador romano) o fez, tomou em conta as tradições pagãs, como acontece em Podence, e intervém com um tipo de mascarados. São os «caretos», «chocalheiros», «zangarrões» e «mascarões», que nada mais fazem, do que assustar as criancinhas e as mulheres solteiras. O único intuito é angariar esmolas para a igreja local e ao vozeio dos facanitos: «Vem aí o chocalheiro, vem aí o Diabo» os rapazes mascarados servem às mil maravilhas, os desígnios da “Santa Igreja”.

 Marius refreia a montada. Os seus olhos vêm mais um marco da presença milenária dos romanos na Hispânia. Em Gimonde, uma bela e antiga ponte românica sobre o Malasa, canal do rio Igreja, desafia o tempo com os seus arcos redondos e o grande olhal que dava passagem à água para um moinho que existira outrora. As calçadas romanas sentiram o rodado dos carros romanos e o tilintar das lanças das suas legiões.

 Segundo a tradição, por ali passou a Rainha Santa Isabel quando foi ao encontro do Rei D. Dinis. Os de Babe dizem que foi por lá que ela passou mas, por um lado ou pelo outro a Rainha tinha que passar, senão ainda hoje estaria à espera do final da discussão e o jovem rei não teria uma rainha como santa.


 Marius percorre a estrada a caminho da fronteira espanhola. Vai até Babe, a «Varanda da cidade» que conserva ainda restos da denominação romana como esta lápide funerária onde é perceptível EQVITI AL(ae) II.  Babe ficou célebre pelo tratado de Babe, realizado em 26 de Março de 1387, entre D. João I e o Duque de Lencastre onde o nosso rei obrigava o dito Duque a abdicar de quaisquer direitos que pudesse vir a ter sobre a coroa portuguesa devido ao casamento de uma filha deste inglês (D. Filipa de Lencastre) com o Rei.






 Rio de Onor é um mundo à parte no ambiente bragançano. O seu dialecto leonês característico, os seus ascentrais usos e costumes, a sua igreja com curiosa fachada central e coberta de folhas de xisto e a coexistência entre Rio de Onor de Baixo em Portugal e Rio de Onor de Cima em Espanha é o suficiente para nos lembrar que as fronteiras só existem no mapa e não entre povos que se querem bem.

21.10.05

Bragança



 Marius volta a esporear o cavalo, a seu lado, o cachorro encontrado abandonado num caminho deste Portugal. São as suas únicas companhias. Vai continuar sozinho pois mais uma mão deixou de acenar, mão que vinha acenando há muitas caminhadas deixou-se ficar. A única coisa que faz bem ao ego de marius é saber que aqui e ali, outras mãos não deixarão de contribuir para que a caminhada seja mais leve mas, se assim não acontecer, não haverá desânimos, a jornada sendo longa chegará ao fim junto à velha mulemba que me espera do outro lado do Atlântico, hei-de lá chegar. É a vida.


Se Coimbra tem a cabra
Bragança tem a cabrita
E em começando as aulas
Se a mãe berra… a filha grita.



Bragança


 Estou em Bragança. Encravada nas montanhas do Nordeste Transmontano, Bragança nasceu nos confins do tempo. A cidade antiga ficaria, no local onde hoje está a Sé. Era uma povoação neolítica e serviu de base a uma cidade romana. Com as invasões bárbaras e lutas cristãs-islamitas desapareceu. Foi reconstruída por Fernão Mendes, cunhado do nosso primeiro rei. Em 1187 recebe o foral de D. Sancho I pela sua importância militar pois situava-se na linha fronteiriça com a Galiza. D. Afonso V eleva-a à condição de cidade em 1466.

 A cidade veio a conhecer um relativo desenvolvimento com os Judeus que nela encontraram acolhimento e «asilo quase seguro». A inquisição foi muito activa em Bragança, ao todo 734 vítimas. Os teares fecharam e a região passou por um período de decadência.

 Nos séculos XV e XIX tornou-se importante centro da cultura do sirgo e da indústria de seda e à qualidade do produto dizia-se: "A doçura das carícias femininas compara-se ao toque dos veludos de Bragança".
São uns exagerados, nada se compara à carícia feminina, é única.

 Um monumento capta a atenção de marius, a Domus Municipalis, edifício único da arquitectura civil românica medieval da Península Ibérica e que se pensa ter sido edificada como casa de água, fazendo a cachorraria interior e exterior converter para a cisterna e sua nascente as águas fluviais. Mais tarde serviu para lugar de reunião dos «homens bons» do concelho.

Domus Municipalis


Bragança - Pelourinho 






Um pelourinho ergue-se sobre uma curiosa base, a «porca da vila». Marius sempre ouviu falar na porca da vida mas nunca da porca da vila. É ir a Bragança e tirar isto a limpo.









 O castelo de Bragança é um dos mais bem conservados do país. As portas e a ponte levadiça já não fazem parte do actual castelo mas, nas suas ameias, os defensores davam as boas-vindas, àqueles que lá iam com bélicas intenções, com grandes caldeirões de líquidos ferventes, ora toma que é para aprenderem que, com o bragançanos, só lá vão quem convidados são. Hoje dessas ameias pode-se desfrutar uma admirável paisagem do melhor miradouro da cidade.

 No lado setentrional encontra-se a Torre da Princesa. Segundo a lenda, uma bela princesa, apaixonada por jovem guerreiro e recusando os pretendentes fidalgos que lhe oferecia seu tio, persistiu esperar pelo noivo, que partido para as lides da guerra, já muito tardava. O tio, servindo-se de um estratagema tentou provar que o noivo já tinha partido deste mundo e, assim, entrou no quarto da princesa altas horas da noite, fingindo-se fantasma, para a aconselhar a escolher marido. Certo que embora fosse de noite outra porta do quarto se abriu e um raio de sol o iluminou, vendo-se assim descoberta a sua traição. Certo é, que esta lenda, deu origem aos nomes da Porta do Sol e da Porta da Traição. E o que sucedeu à nossa Princesa? Reza as crónicas que um dia o jovem guerreiro, numa noite de tempestade, a raptou, fornecendo-lhe uma espécie de guarda-chuva com o qual ela se lhe lançou nos braços.
Mary Poppins deve ter tirado daqui a ideia de voar com o guarda-chuva aberto.

 A românica Igreja de Santa Maria, a Igreja de S. Vicente com um painel de azulejos alusivo à proclamação, em 1808, do general Sepúlveda contra a ocupação napoleónica e, segundo a tradição, foi aqui que se realizou o casamento de D. Pedro e D. Inês de Castro, a Igreja de S. Bento, padroeiro da cidade, com uma pintura no tecto atribuída ao pintor religioso Bustamante, fazem de Bragança um ponto obrigatório de visita nas deambulações de marius pelo nordeste transmontano….

 … E, à lareira, nas noites frias de Inverno, com as castanhas assadas, vamos jogar à arrebiana. Mão fechada cheia de bilhós, bem repimpada no escano:

 - Arrebiana, sobressaltada!
 - Sobre quantos?
 - Sobre cinco!


 Mão aberta e não existindo cinco mas dois – teremos que pagar três.

 … Vamos nós a isso?... Sobre quantos?...

7.10.05

Pelo Alto Tâmega



  Eis que marius, de repente, avista algo que há muito não via – a casquinha de noz. De novo volta a estar presente no alforge desta viagem.

  O cavalo galopa agora por madressilvas-das-boticas pequenos arbustos a caminho de Curalha, povoado fortificado romano e alti-medieval, onde um castro faz as delícias dos investigadores.



  Aqui, em Curalha, o cineasta Manuel de Oliveira realizou o filme «O Auto da Primavera».

  Mas continuemos pois a viagem é longa e, outros que nos digam o que mais há para ver nestes recantos de Portugal.

Quem vos vem cantar os Reis
De noite pelo escuro,
Decerto quer saber
Se o vinho é maduro.


  Quem assim o diz são as gentes de Vidago pelas Janeiras. E se o vinho maduro é bom, também admirável é o panorama que se desfruta da torre-miradouro. Os romanos fizeram de Vidago uma estância termal, que ali iam fazer as suas curas e tanto bebiam como lavavam os seus corpos nas santas águas, para curar os seus males. Quem nunca ouviu das famosas águas desta região? Espero que devido a falta de pluviosidade não tenha secado o caudal.



«O viajante tomou-se de amores por um nome, pelo nome de uma povoação que está no caminho de Murça, e que é Carrazedo de Montenegro. (...)»
José Saramago

  Como estamos no Outono nada melhor que ir até Carrazedo de Montenegro, as suas origens remotam a um castro romanizado - Castro de Ribas - e de um Castelo medieval denominado - Castelo de Montenegro, o maior exportador de castanhas, sendo a sua feira anual da castanha - CASTMONTE - em Novembro.



  Ex-libris da vila, a Igreja Matriz, do século XVIII, tem uma magnífica frontaria e um belo adro. Se juntar-mos a isto o pelourinho transformado em cruzeiro e a gastronomia da região de certo que não se dará por mal empregue a viagem até esta zona do Alto Tâmega.

  Valpaços encontra-se na fronteira entre a Terra Fria e a Terra quente do Nordeste transmontano e é um grande produtor de azeite e batata. A sua Matriz de abóbada de granito e coro abalaustrado é uma referência assim como os famosos vinhos, o folar e o seu bacalhau à Bruxa de Valpaços.

  Mas vamos subindo a caminho de Bragança e ao encontro de uma história acontecida em Monforte de Rio Livre. Diz-se que quando D. Francisco, irmão do rei D. João V, se deslocou a esta localidade os vereadores tiveram a iniciativa de mandar que as mais bonitas raparigas do lugar lhe oferecessem em açafates ornados de flores a única fruta que dispunham, figos (houve outras sugestões como pinhas, outro fruto da região). Pelos vistos o infante não gostou da mesquinha oferta e mandou que o vereador que teve tal ideia fosse amarrado a um poste, servindo de gáudio aos lacaios do seu séquito que, fazendo do vereador alvo, lhe mandavam projécteis de figos. Certo é que no fim o humilde vereador com a cara lambuzada pelos figos ainda dizia com ar de sorte: - Ainda bem que não lhe oferecemos pinhas!»

  Aqui marius sorri, não há povo como o nosso, quando a desgraça acontece foi sempre uma sorte, podia ser bem pior.

12.9.05

Aquae Flaviae – Chaves



 D. Dinis o rei «Lavrador» não descurava a defesa das fronteiras das terras conquistadas e é isso que marius contempla, o castelo de Montalegre.



 Reedificado sobre um outro mais antigo, este castelo domina a paisagem com a sua bela torre de menagem.

 Descendo à nascente do Rabagão ou subindo à serra de Larouco é um caminhar quase solitário. Marius vai a caminho das termas do Imperador, no entanto, não deixa de visitar Boticas e beber o seu vinho dos «mortos».

 O caso do "vinho dos mortos", bebida que deve esta original designação a um pedaço de história: em 1809, a população local decidiu enterrar o seu vinho para não cair nas mãos dos invasores franceses. Quando o exército de Napoleão se retirou, descobriram que o vinho sabia melhor; passou a ser conhecido como "vinho dos mortos" e o costume de enterrar as garrafas por um ou dois anos ainda se mantém.

Aquae Flaviae – Chaves



 Não deixa de ser curioso, 1927 anos depois, falar desta cidade onde o imperador romano de seu nome completo Tito Flávio Sabino Vespasiano, criou como município, em 78 d.C. com o nome de Aquae Flaviae (águas de Flávio), devido ás propriedades das águas termais a que os romanos davam muito valor. Curioso pois irei falar deste imperador no Império Romano.





Em Aquae Flaviae estava acantonada parte da Legião Gemina, a outra estava em Leão, e de certo que os romanos da Galécia, vinham para desfrutarem das águas bicarbonatadas sódicas que brotam a 73º de temperatura.





 Os romanos construíram muralhas, estradas, pontes, barragem, termas, exploraram minas de ouro. Era a defesa da Rota de Ouro que fez com que este município crescesse em termos económicos, balneares e castrenses e, em 104 d.C., Aquae Flaviae passa a cidade.


 A ponte romana que une as duas margens do Rio Tâmega que atravessa a cidade, conhecida pela ponte de Trajano, foi construída entre o fim do 1º século e o princípio do 2º século (98 e 104 d.c). A ponte tem cerca de 150 metros de comprimento, 16 arcos, quatro dos quais estão soterrados, e no meio ergueram duas colunas cilíndricas epigrafadas o Padrão dos Povos, dedicado aos 10 civitates, aos imperadores Vespasiano e Tito, ao legado prospector de Augustus, e à Legio VII Gemina Félix.

 Marius vai até ao Miradouro de S. Lourenço contíguo à serra de Brunheiro. Ali desfruta da paisagem flaviense, a sua famosa veiga, e um bem conservado troço da via romana.

veiga   A Veiga de Chaves, com os seus solos férteis, atravessada ao meio pelo Rio Tâmega e os seus solos banhados pelas águas das Caldas foi, em tempos, o sustento de muita gente


  Na Igreja Matriz de Chaves existiu, em tempos, uma lápide, no colateral direito, com o seguinte epitáfio:
  «Aqui jaz Maria Mantela com sete filhos ao redor dela».

  Maria Mantela quando era garota criticou severamente uma pobre que lhe pediu esmola, levando ao colo dois gémeos. Anos mais tarde teve sete gémeos. Com vergonha pretendeu esconder isso do marido entregando os filhos a uma serva para os afogar no rio. A serva contrafeita colocou as crianças num cesto e quando ia a caminho do rio deu de caras com o marido de Maria Mantela. Este perguntando o que levava no cesto respondeu que eram cachorrinhos. O amo, ou por curiosidade ou por já desconfiar de qualquer coisa, levantou a cobertura e percebeu. Pegou no cesto, pô-lo sobre o cavalo e disse à rapariga que fosse dizer à ama que estava cumprida a ordem.
  Dali partiu com os filhos em busca de amas que os criassem. Deixou cada um em sua aldeia e durante muito tempo Maria Mantela não desconfiou que os meninos estavam vivos e se iam criando e educando.
  Diz a lenda, ao mesmo tempo que especifica os nomes das igrejas, que estes sete meninos foram ordenados padres e viveram a sua vida em sete aldeias circunvizinhas de Chaves. E Maria Mantela viveu o resto da sua vida grata ao seu marido por ter aceite aqueles sete filhos de um só parto.
  E tanto os amou que exigiu descansar juntamente com os sete, no seu leito de eternidade:
«Aqui jaz Maria Mantela com sete filhos ao redor dela».



  Chaves por certo não é a cidade que tanta importância teve no passado mas é uma cidade virada para o futuro. Com as suas igrejas, a Rua direita com originais varandas e janelas, os seus bairros típicos como o Bairro do Castelo – tipo Alfama lisboeta -, não deixará morrer as suas tradições, as suas festas, romarias, feiras tradicionais e, no próximo ano, lá estarão os flavienses a cantar as suas Janeiras:

Chegaram aqui três rosas
Três ou quatro, ou cinco, ou seis,
Se os senhores nos dão licença
Vamos-lhes cantar os Reis.


... Estejam à vontade!